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O infinito, 2004
José Barrias
Betão e aço
O corpo da obra de José Barrias reflete a sua dupla condição de vida, a qual oscila entre uma quietude duradoura e um desassossego permanente. Este artista português, a viver em Milão desde os finais dos anos 60, tem cruzado, dentro da sua prática artística, variadíssimas linguagens e meios, assumindo-se como um verdadeiro “habitante de intervalos”. Do desenho à pintura, da fotografia à instalação, da escrita visual ao colecionismo de objetos, os traços da memória íntima e cultural, assim como as relações umbilicais com a literatura e o cinema, estão muito presentes nas suas narrativas visuais.
A partir de 1971, Barrias reconfigura a sua obra como uma espécie de trajeto “cinematográfico” composto de “curtas” e “médias metragens” encadeadas entre si como episódios focalizados no horizonte de uma “longa metragem”. Acima de tudo, tratou-se de uma estratégia metodológica trabalhar por ciclos abertos (quase todos), repletos de cruzamentos e de recíprocas influências.
A sua escultura – O infinito – representa uma estrutura geométrica muito simples, desenvolvida a partir de uma figura retangular parcialmente enterrada e seccionada em duas partes quadrangulares. Nesta proposta, Barrias propõe-nos uma tensão dialógica entre, por um lado, a composição geométrica (elaborada delicadamente em fios de aço numa configuração octagonal mimetizando teias de aranha) e, por outro, um laborioso texto poético escrito (desenhado?) em língua italiana diretamente sobre o betão. Desde a leveza e transparência da composição geométrica vazada na estrutura à densidade opaca do suporte da escrita estamos perante uma espécie de mais um episódio deste ardiloso ítinerário “cinematográfico” que se vai processando ao longo do tempo numa reafirmação permanente daquilo que Umberto Eco uma vez disse: “os homens desde o início da humanidade, contam histórias”, na tentativa de “dar forma à desordem da experiência”.