2
O barco, a lua e a montanha, 1989/90
Alberto Carneiro
Granito
A conjugação da arte com a vida e a natureza encontra na obra de Alberto Carneiro uma singular evidência. Cada obra deste autor pressupõe o facto de uma nova forma de arte ser também uma nova forma de vida. A arte e a vida envolvem-se reciprocamente através das suas metamorfoses, em processos de múltiplas transformações pelas quais uma forma se transforma noutra forma, um significado se abre a novos sentidos, a identidade do autor se assume na definição da sua alteridade e o desejo funde a matéria e o corpo na expressão da relação humana com a natureza.
Oriundo de S. Mamede do Coronado, Trofa, Portugal e nascido em 1937, Alberto Carneiro começou o seu notável percurso aprendendo o ofício de santeiro nas oficinas de arte sacra da sua terra natal. Com bolsas de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, de 1961 a 1967 estudou escultura na Escola de Belas Artes do Porto, e de 1968 a 1970 na St. Martin’s School of Art, em Londres. É durante a sua estadia em Londres que toma contacto com a arte de vanguarda, retendo elementos de movimentos como a Land Art ou a Arte Conceptual, que assimila e interpreta de uma forma bastante pessoal e original. Influenciado também por algumas correntes da filosofia oriental (interessou-se pelo estudo do zen, do taoismo, do tantrismo e da psicologia profunda, realizando inúmeras viagens pelo Oriente e Ocidente de modo a experienciar e interiorizar diferentes culturas) procura que a sua obra seja uma reinterpretação das tradições da escultura ocidental através da articulação que estabelece entre a escultura, a natureza e as suas matérias (a madeira ou a pedra, materiais com as quais preferencialmente trabalha). Para além da sua vasta obra de escultura e textos fundamentais de reflexão sobre o seu trabalho e a criação artística em geral, Carneiro é igualmente autor de inúmeros desenhos. Foi professor e dedicou-se a investigações sobre arte e pedagogia.
O Museu Internacional de Escultura Contemporânea, onde A. Carneiro protagonizou um papel fundamental na sua génese e desenvolvimento, apresenta duas obras coetâneas dos finais dos anos 1980: “A água sobre a terra” e “O barco, a lua e a montanha”.
Na composição escultórica “A água sobre a terra”, o escultor remete-nos para uma relação ortogonal metafórica entre a verticalidade da montanha e a horizontalidade da superfície da terra. Entre as duas, a água que tudo une e transforma.
Nas suas habituais incursões escritas sobre o seu trabalho, o artista revela-nos sobre a especificidade deste trabalho, o seguinte enunciado: “ A água corre sobre a superfície da terra e modela os seus movimentos no reconhecimento da matéria. Água e pedra: o rio e a montanha. A pedra que se desvenda nas vibrações da água. Sulcos da vida sobre a terra para as anamneses do corpo. Os elementos deixaram as suas marcas sobre a superfície das pedras. A água corre da montanha e busca a horizontalidade da terra. Cintilações líquidas que tornam a pedra fluída e apelam às mobilidades do corpo. Espaço mandálico onde a água busca o centro. Cosmos da unidade do corpo e do universo.”
Cada um destes projetos deslocará a experiência individual do artista para um envolvimento do espectador, convidando este último à recriação e apropriação dessa mesma experiência. Através dos seus percursos por estes lugares onde a obra acontece, o espectador é convidado a formular os seus próprios significados. A arte e a vida relacionam-se através de uma experiência sensorial onde o próprio corpo do espectador recria uma rutura com as suas expectativas em relação ao lugar da arte e ao lugar da natureza.