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Livro do Desassossego, 1999
Jack Vanarsky
Madeira e sistema mecânico
“As minhas esculturas são como uma sucessão de fatias topológicas. Este processo de corte é mais do que uma mera operação cirúrgica, trata-se de um sistema de linguagem. Eu decomponho a forma numa série de perfis, um pouco como, com a devida humildade, os impressionistas fazem para decompor a cor.” É desta forma que Vanarsky introduz-nos naquela que é, desde 1968, a sua marca pessoal em termos de linguagem artística: construir esculturas baseadas em lamelas animadas por mecanismos escondidos. Todavia, para além das esculturas animadas, são características do seu trabalho as transformações que operou em obras conhecidas da história da arte; as correspondências que estabelece com a literatura (principalmente com autores como Kafka ou Fernando Pessoa); e os temas que explorou (livros, partes do corpo, cordas, borboletas, entre outros) distantes do abstracionismo da arte cinética.
“O livro do desassossego” concebido no âmbito do 5º Simpósio Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso, foi, como não poderia deixar de ser, acolhido nos espaços da Biblioteca Municipal. Um livro-escultura que evoca, pelo seu movimento permanente, o manuseio das folhas, naquilo que podemos considerar como a perfeita metáfora do livro vivo. A singularidade desta peça (a única que não foi instalada ao ar livre) advém da sua relação umbilical com o contexto do edifício, o lugar da leitura, do conhecimento, da imaginação, mas também do silêncio apenas perturbável pelo folhear das páginas.
Não se reduzindo unicamente a uma alegoria genérica e abstrata, a escolha de duas páginas do “Livro do Desassossego” de Bernardo Soares (heterónimo de Fernando Pessoa) fazem desta peça uma referência simbólica e uma “viva” homenagem à Cultura Literária Portuguesa.