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Sesriem – Poço das seis correias, 2008
Ângela Ferreira
Betão e ferro
O trabalho artístico de Ângela Ferreira é fortemente marcado por uma dimensão política, especificamente pelo impacto do colonialismo e pós-colonialismo na sociedade contemporânea. Recorrendo frequentemente a estruturas e elementos arquitetónicos que conferem ao seu trabalho uma ambiguidade de relações formais e espaciais, a sua obra situa-se no cruzamento entre a ideologia do construtivismo russo (na relação entre as formas abstratas geométricas e a dimensão política) e a exploração de momentos marcantes da sua própria vivência pessoal, social e geográfica. Sendo a escultura a base da sua prática, a artista cria sobretudo instalações onde incorpora outros meios para além dos objetos escultóricos (vídeos, desenhos, fotografia, textos) que aprofundam o significado de cada obra.
Sesriem – poço das seis correias é um projeto, especialmente desenhado para o Parque
da Rabada, que pretende dar continuidade a dois fatores importantes no discurso artístico da autora moçambicana: por um lado, a produção de obras em espaços públicos cuja utilidade seja um dos principais critérios de intencionalidade; por outro, a continuação da exploração de contéudos que revelem uma atitude questionante sobre as relações entre a Europa e África. Se, relativamente à funcionalidade, a peça tem qualidades evidentes que a aproximam de um parque infantil, no segundo item – a relação com África – requer um enquadramento particular. Uma das estratégias que se vem repetindo em alguns dos seus trabalhos nos últimos anos é a apropriação de estruturas (arquitetónicas e não só) situadas em lugares específicos em África e a sua “importação’ para locais na Europa. Em traços gerais, trata-se de uma tentativa de contrariar os eventos consecutivos da história europeia que, consistentemente, no passado, exportou para África.
No caso deste projeto, Ângela Ferreira procedeu à escolha de um referente na natureza: o parque de campismo Sesriem existente no deserto Namib, na Namibia. Este parque de campismo caracteriza-se por ser um local único que nasceu da localização de um poço cujo nível da água era tão fundo que, segundo reza a história, necessitava de seis correias de cavalo atadas para se conseguir extrair água. Hoje, Sesriem é um pequeno parque no meio do deserto com apenas 18 lugares/terrenos para acampamento. As condições são de tal modo severas que cada lugar só permite o usufruto de uma ‘família’ de campistas. Cada parcela oferece aos visitantes, que por ali passam, um pequeno terreno circular definido por um baixo muro, uma grande árvore central e uma torneira. Por se localizar no deserto, a sobrevivência da árvore depende do uso da torneira e dos excedentes de água que passando para o solo irrigam-na, por sua vez, a árvore providencia a sombra criando, assim, um pequeno ecossistema de sobrevivência natural para os que aí acampam.
Por conseguinte, o projeto Sesriem – Poço das Seis Correias de Ângela Ferreira, pretende celebrar a memória deste lugar na Namíbia, trazendo-o para perto de nós, através de um permanente jogo de referências: a) A copa da árvore central tranformou-se num lugar lúdico com uma estrutura modernista de metal que oscila como as árvores com o vento permitindo ser trepado por crianças; b) O muro que define o terreno repete-se aqui, servindo desta feita de suporte para o título da obra e para ser usado como assento para os acompanhantes das crianças; c) A área circular definida pelo muro foi preenchida com areia remetendo para o deserto Namib.