JORGE MOLDER
JEU DE 54 CARTES
27 OUT 21 JAN
Desde o final dos anos setenta que Jorge Molder tem vindo a explorar as possíveis variações e intersecções entre o auto-retrato e a auto-representação, como um domínio peculiar e profícuo na indagação das múltiplas e imprevisíveis conexões entre a perceptibilidade das aparências e os meandros da experiência da imaginação. Em muitas das séries que entretanto realizou somos continuamente confrontados com a presença do artista, que dá a ver o rosto e as suas expressões, gestos e movimentos do corpo. Não obstante, o que vemos é a presença modelar de uma figura indistinta e genérica, com um conjunto mínimo de características, uma figura mediadora de várias figuras, papéis, semblantes e substitutos, o protagonista de um jogo destinado a reconfigurar o nosso entendimento sobre as diferenças e as sobreposições entre as ideias de autenticidade e dissimulação, realidade e ficção, corpo físico e corpo-imagem.
Nesta exposição é apresentada a série mais recente de Jorge Molder, Jeu de 54 cartes, realizada ao longo do corrente ano. Tendo por base a estrutura típica do popular baralho de cartas francês, constituído por quatro naipes de treze cartas cada, o artista realizou uma série de fotografias com seis partes: cinquenta e duas imagens repartidas por quatro naipes (Caras, Mãos, Bocados, Espectros), mais dois Jokers e a fotografia de um Gabarito.
A noção de jogo é um elemento essencial no processo criativo de Jorge Molder. O jogo surge como uma actividade que nos incita a uma experiência heurística das coisas, que configura a possibilidade de abertura para tudo o que se desvia de convenções, categorias e estruturas de entendimento pré-estabelecidas. Aplicada ao campo da arte é uma noção que certifica a arte como uma prática que formula as suas próprias “regras”, a possibilidade de preterir a intenção deliberada, a sistematização, o discurso prévio, a favor da experiência do possível, da espontaneidade e da disponibilidade interpretativa.
O jogo e, correlativamente, o acaso e a intuição, apontam para questões decisivas nesta pesquisa em que Jorge Molder correlaciona o trabalho de desmultiplicação das (suas) figuras com os dilemas essenciais da nossa relação com as imagens. Ora, se as imagens parecem indeferir a expectativa de um Eu único e original, primeiro e autêntico, porque cada indivíduo é também constituído pelas suas declinações e substitutos, ao mesmo tempo, alertam-nos para a natureza paradoxal da relação entre a imagem e cada figura que apresenta. O que há de verdade e o que há de factício, naquele corpo, naquele gesto, naquela expressão? Como distinguir o que separa e o que se justapõe entre imagem e representação, entre realidade e a fantasia, entre o Eu e o(s) outro(s)?