As mãos têm um potencial expressivo e narrativo ilimitado. Elas testemunham à centralidade do fazer no desenvolvimento da cognição humana. São lembretes do mundo construído e os trabalhadores responsáveis por trazê-lo à existência. Nós usamos as mãos como forma de comunicação para formar e exprimir os nossos estados interiores. Elas denunciam-nos, revelando aquilo que preferiríamos guardar para nós mesmos. As mãos ensinam-nos a sentir e a racionalizar, a contar e a indicar. As mãos dão-nos ação, como criadores, mas também como destruidores. Dão forma à nossa vontade de agir no mundo.
Uma rede é um dispositivo para reunir, recolher e ligar. Largámo-lo no vasto desconhecido para capturar vislumbres de mistério. Uma rede é uma forma de grelha, um dispositivo cognitivo complexo para medir, para visualizar conceitos abstratos. As grelhas eram a inovação cartográfica que tornou o mapeamento moderno possível, e, portanto, a navegação global confiável. As grelhas são uma ferramenta essencial na escavação de sítios arqueológicos. As grelhas evocam a urdidura e a trama da produção têxtil, tão importante para a história e identidade de Santo Tirso. Entre redes e grelhas paira a teia existencial do destino e circunstância que circunscreve cada uma das nossas vidas, que nos emaranha nas redes culturais que definem quem somos, e o que nos é possível enquanto sociedades e indivíduos em qualquer momento da história.
Os objetos encontrados na coleção deste museu – moedas, jarros, martelos, fusos, fivelas, armas, lápides – são todos dispositivos que ampliaram a habilidade dos seus criadores pensarem o mundo, bem como agir dentro dele. Quando contemplamos esses objetos, sondamos detalhes e relações que ampliam a nossa própria habilidade de pensar acerca do mundo. Procuramos uma visão a partir da qual possamos explorar o que há de mais impressionante nessa coisa, o detalhe curioso, a narrativa implicada na sua proximidade física com outro objeto, a sua semelhança a objetos noutros locais, o enigma da sua presença aqui.
Estamos particularmente atentos à presença humana na outra ponta do processo, o trabalhador que o moldou, presente nos traços do pincel, ferramenta e mãos nas suas superfícies. Estamos também a absorver as suas fragilidades, uma coisa ferida pela violência da história, desfigurada pelo desastre natural, reformulada através do decurso normal da decomposição física. Cada objeto testemunha atos desconhecidos que o fragmentaram, extirparam e deslocaram dentro de uma piscina de luz artificialmente clara dentro de uma vitrine com temperatura controlada, redistribuída entre objetos reunidos em circunstâncias inimaginavelmente diferentes. Cada objeto é ainda mais qualificado, profundamente, pela nossa completa inabilidade de compreender os propósitos rituais, as relações de poder, ou as circunstâncias do quotidiano para as quais foi originalmente destinado.
A minha intenção para este projeto não é catalogar os fragmentos das sociedades que foram recolhidos, mas imaginativamente transformá-los, construindo um trabalho de ficção baseado na atenção escrupulosa da evidência. Altero as suas narrativas através da sua recontextualização, moldando as suas imagens a novos materiais, a novas condicionantes. Ao fazê-lo, insinuo a natureza fragmentária da memória histórica e a imaginação através da qual a narramos para nós mesmos.
Para desenhar a minha instalação, selecionei objetos de diferentes sociedades com suposições fundamentalmente diferentes acerca do que significa ser humano e coloquei-os em diálogo uns com os outros. Sugiro identidades radicalmente diferentes do que eles aparentam ser quando exibidas em coleções museológicas. E essas novas identidades são elas mesmas instáveis. Acompanhar as suas metamorfoses é essencial ao humor na minha peça e é parte do seu conteúdo, um lembrete de que todo o projeto é acerca significados instáveis. E, a um nível cosmológico, é um reconhecimento de que tudo o que conhecemos, incluindo nós mesmos, é constituído pela mesma poeira cósmica que surgiu no singular momento que formou o nosso universo, desde aí num estado contínuo de dissolução e reconstituição. Por fim, essa é a história que faz sentido para mim.